Jacob Paulo Kunzler

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Brasil: inserção internacional e suas principais dimensões

Resumo:
A inserção internacional do Brasil ocorre com a alternância periódica de  suas políticas de comércio exterior: ora privilegia a produção interna,  ora a livre competição internacional. O Brasil evita confrontos com outras nações celebrando acordos e tratados;  promove sua inserção no mercado regional e global, observando as dimensões da globalização.
Palavras-chave: Política de comércio exterior, inserção internacional, dinâmica competitiva, globalização, blocos econômicos.

O Brasil vem alterando ao longo das últimas décadas a sua política de comércio exterior. Em determinados períodos privilegiou a produção interna e, em outros, defendeu a competição com o exterior.

Pelas dificuldades naturais na identificação de uma estratégia de inserção internacional, as experiências diplomáticas  do Brasil, nas últimas décadas, incluem participações em foros internacionais, focalizando postulações dos países em desenvolvimento e viabilizando posturas negociadoras em substituição às atitudes de confronto.

A inserção internacional do Brasil é conseqüência do “comércio administrado” através do crescente número de Tratados e Acordos, que consideram as diversas dimensões da globalização, como:
a) Dimensão comercial - Uma visão genérica da evolução da estrutura de comércio permitirá identificar os fluxos de produtos de acordo com a intensidade de fatores de sua produção e o seu grau de atualização tecnológica. Reproduzindo fatos conhecidos é possível  associar essa estrutura com as tendências dos fluxos de investimento e com mercados potenciais.

No período 1970/91, as exportações brasileiras cresceram em média, 11,5% ao ano. Poucos países mostraram a mesma performance. Esse crescimento aliado à diversificação tem como resultado variações mais expressivas das exportações de produtos das indústrias de insumos básicos e de semimanufaturados, oriundos de recursos naturais.

Os dados que permitiram esse estudo (Baumann, 1995), confirmam a importância dos produtos com elevado componente de recursos naturais e com certo grau de transformação. São mais produtos minerais e de insumos básicos associados às vantagens locais de proximidade da fonte de insumos do que produtos agrícolas, e à implementação dos grandes projetos verificados no início da década passada. Registre-se o desempenho das indústrias de conteúdo tecnológico médio ou alto, cuja produtividade se beneficiou da exploração das economias de escala.

Para o autor, a estrutura de comércio diversificada dificulta a identificação de um padrão setorial nítido, e uma postura mercantilista que procure obter saldos positivos em toda a pauta de comércio tende a comprometer o próprio desempenho exportador. Em apreciações pessimistas, o Brasil diversificou sua estrutura de exportações, mas continua posicionado em mercados de baixo dinamismo de demanda. Por outro lado, o país conseguiu desenvolver vantagens comparativas em segmentos de mercados altamente diferenciados e com grande dinamismo.
 
“Com exceção dos produtos primários energéticos, das semimanufaturas baseadas em recursos minerais, e das manufaturas com conteúdo tecnológico médio e alto, em todos os demais produtos classificados, o sinal da balança comercial foi, em média, positivo na década de 1980, na maioria dos casos invertendo a situação observada na década anterior.

Parte das explicações para esses resultados estão associadas ao ciclo interno do produto e à vigência de uma política restritiva às importações, que teriam desestimulado a demanda por produtos importados. Mas não cabe dúvida de que esses saldos também foram obtidos graças ao dinamismo e ao processo de diversificação das exportações”. (BAUMANN, 1995).
Assim, a questão da inserção implica na identificação de setores em relação aos quais há indicadores de dinamismo de demanda mundial, assim como os mercados onde a participação dos produtos exportados pelo país é baixa ou tem se reduzido.

O aspecto definido em termos de alinhamento comercial do Brasil é sua participação no Mercosul. Fica evidente que a aposta no mercado regional é importante – embora insuficiente – sobretudo para os produtos com maior conteúdo tecnológico. Levando em consideração apenas o tamanho desse mercado, existem claras oportunidades a explorar em outros mercados mais expressivos. Entretanto, um novo padrão de especialização comercial que revertesse a importância relativa dos produtos manufaturados não traria vantagens. O Brasil tem presença discreta na maior parte dos mercados – menos ALADI e Mercosul. Nota-se, também um decréscimo nas exportações a diversos grupos de países, indicando negócios perdidos, particularmente no caso das manufaturas.

b) Dimensão do movimento de capital   que determinava a inserção de um país no mercado internacional era a estrutura de comércio. A globalização é um fator de integração adicional. E, o padrão de vínculos econômicos internacionais, pode ser modificado através do investimento externo direto que, na verdade é o determinante na estrutura desse processo.

"Neste novo contexto, o Brasil, na década de 1970 foi o país em desenvolvimento que mais teve investimento externo direto (média de US$ 1,4 bilhão ao ano), duas vezes mais do que o investido no México, o segundo da lista das 10 maiores economias em desenvolvimento. Já na década seguinte, o Brasil ocupava a quarta colocação, precedido de Cingapura, México e China". (BAUMANN, apud UN, 1993).

De 1990 a 1993, o ingresso de recursos externos na América Latina foi de US$ 44 bilhões. A entrada líquida de recursos em 1992 superou em 50% o montante investido no ano de 1981, último ano antes da crise da dívida externa que abalou a região. Nesse período – 1990/93 – o Brasil recebeu entre 20 e 25% dos recursos para os países da América do Sul não exportadores de petróleo. Argentina e México receberam maior valor desses investimentos.

Quando comparados com outros países da região a atratividade brasileira deixou a desejar. A explicação para isso, talvez, sejam as características diferenciadas, dos investimentos, em cada país: reestruturação da indústria automotriz e serviços (turismo e comunicações), no México; telecomunicações e transporte aéreo, na Argentina e Venezuela; modernização das subsidiárias em operação, no Brasil.

“Esse último aspecto traz à discussão a principal peculiaridade do país em relação ao capital externo. O Brasil é o país em desenvolvimento com o maior estoque de capital estrangeiro. Isso tem implicações para o processo de globalização da produção, e pode constituir um elemento a ser considerado na discussão sobre a inserção internacional do país”. (BAUMANN, 1995).

Essa afirmação pode ser constatada nos dados publicados em UN (1992). Do estoque de capital estrangeiro no Brasil, em 1989, 36% eram provenientes de empresas da Comunidade Européia. Segundo a mesma fonte, no período de 1985-89, o fluxo de investimento direto externo no Brasil foi de 51% e provinha de países europeus. Essa tendência é também constatada no ano de 1990: na América Latina, enquanto o estoque de capital estrangeiro era de origem norte-americana, no Brasil, Paraguai e Uruguai predominava o capital europeu.

Pode-se atribuir à origem desses recursos à evidência do aumento, no Brasil, das exportações das empresas subsidiárias de matrizes européias. Sendo essa estratégia exportadora bem-sucedida, um dos pré-requisitos foi o suporte adequado de financiamento. E isso é mais comprobatório quanto maior for a participação de produtos industrializados entre os itens exportados por essas subsidiárias, que também financiaram a produção e a comercialização desses bens. Nesse raciocínio pode-se afirmar que uma integração maior com os fluxos financeiros internacionais deve ser a contrapartida do projeto de desenvolvimento.

Entretanto como a inserção financeira tem limitação na identificação dos fluxos de recursos, e que todo o capital investido busca rentabilidade, pode se converter em fonte de instabilidade econômica. Pequenas variações nas taxas  de juros em relação aos principais mercados são capazes de provocar movimentos substanciais no fluxos desses recursos.

A crescente participação de investidores institucionais tem dado novas características ao mercado de capitais internacional. E, como os atributos de origem do investimento estão associados à complementação produtiva e ao potencial de intercâmbio, as estratégias dos agentes envolvidos podem ser relevantes para a determinação dos resultados.

c)  Dimensão dos agentes econômicos - Na história do comércio internacional não há registro sobre a forma e ritmo de crescimento como o verificado nos últimos anos. Em 1990 o investimento direto externo, no mundo, era de US$ 1,7 trilhão, sendo a metade controlado por 50 empresas de grande importância, que administravam cerca de 30% do comércio mundial, constituído de operações realizadas de acordo com a lógica interna de expansão e estratégia de mercado dessas empresas.

Como essas operações ocorrem em vários países e em diversas moedas é difícil medir a atuação dessas empresas, para Baumann, fica evidente que “a globalização financeira, associada ao desenvolvimento de serviços e à interação de atividades entre subsidiárias diversas, tem contribuído para modificar os determinantes do desempenho comercial de diversas economias”.

As empresas, com maior ênfase às subsidiárias de estrangeiras, têm propiciado grande intensidade da inserção internacional do Brasil e, todas elas têm procurado adequar-se às tendências de globalização, aumentando sua produtividade como nunca visto antes. Esse aumento na produtividade originou-se a partir de técnicas modernas de produção, controle de preços e de produto, além de outras medidas que resultam na maior eficiência da produção e no potencial de competitividade no mercado mundial. Tudo ia muito bem, mas  a recessão da década de 1980 provocou a queda na competência e perda na participação nos principais mercados, resultado da falta de consistência nas políticas macroeconômicas.

Essas empresas, como agentes econômicos, adaptaram-se para enfrentar o processo de abertura da economia e as novas características do processo produtivo. Isso provocou a redução da oferta de emprego por unidade de produto, assim como a hierarquia interna. Outra característica desse processo de adaptação é identificada pelas novas estratégias de mercado e de produção. De positivo obteve-se um parque industrial moderno e competitivo em relação aos principais competidores do mercado mundial, oferecendo aos mesmos, equipamentos e produtos fabricados próximos ao que há de mais moderno, e vendidos pelos seus próprios canais de exportação. O comércio intra-indústria atingiu, no final da década de 1980, níveis expressivos de participação nos fluxos de comércio bilateral entre o Brasil e seus principais parceiros.

d) Dimensão geopolítica  empre que o tema inserção internacional é mencionado, tem-se em mente os aspectos comerciais. Na maioria das vezes ele desenvolvido, direcionado e enfocado num sentido economicista. Entretanto, o assunto, inserção internacional, deve levar em consideração a posição geográfica e as questões políticas.

Baumann, cita como exemplos, os conflitos gerados a partir da mineração ilegal, o tráfico de drogas e a migração transfronteira na região amazônica que exigem soluções efetivas e não apenas ações repressivas como têm sido. “Acordos que regulamentem essas questões podem ter implicações econômicas que a análise convencional de criação e desvio de comércio não contemplaria ou não recomendaria”.

“O comércio ativo fronteiriço, os investimentos e talvez os fluxos migratórios decorrentes da vizinhança geográfica e/ou de identidade cultural podem levar à maior integração regional, na falta de instituições regionais de jure”. (BAUMANN, apud Oman, 1994).

Citando Motta Veiga (1993), Baumann diz que no caso das relações fronteiriças ou regionais, o Mercosul é a única manifestação explícita de estratégia brasileira. A ampliação desse referencial e a criação de um espaço para tratar de assuntos como problemas fronteiriços, é a proposta de formação da ALCSA (Área de Livre Comércio Sul-Americana), apresentada pelo governo brasileiro em reunião da ALADI, em outubro de 1993.

Ultrapassando as questões fronteiriças, a dimensão geopolítica reforça a percepção de que o Brasil deverá  se posicionar claramente sobre alguns temas globais como segurança, desenvolvimento e meio ambiente, comércio e finanças, saúde, ciência e tecnologia. As conclusões a que chegar sobre essas questões, podem não favorecer e ser contrárias até, àquelas advindas da análise econômica. Assim sendo a inserção internacional é determinada por condicionantes, muitas vezes não captados pelos modelos econômicos convencionais, havendo razões para se pensar em outra dimensão de análise, na qual, a inserção internacional deve ser concebida em forma abrangente a partir de uma estratégia de longo prazo.

O acesso a alguns mercados, com a redução dos riscos de barreiras comerciais podem ser assegurados pelos acordos regionais, e um alinhamento com outros blocos econômicos – NAFTA, por exemplo – não deve ser descartado.

Existe cada vez mais sintonia e necessidade de inserção competitiva da produção internacional.

“Numa economia grande como a brasileira, parece mais apropriada a idéia de exportações lideradas pelo crescimento, o que, por sua vez, envolve de maneira crucial a incorporação – pelo projeto de desenvolvimento – da experiência, das tendências e das sinalizações externas, para que a dinâmica competitiva possa funcionar”. (VELLOSO, apud Bradford, 1994).

Enquanto Renato Baumann apontou quatro dimensões, o advogado e sociólogo Liszt Vieira, abordando o tema globalização, cita cinco dimensões:

e) Dimensão econômica - Os agentes mais dinâmicos da globalização não são os governos que formaram os mercados comuns em busca da integração econômica, mas os conglomerados e empresas transnacionais que dominam a maior parte da produção, do comércio, da tecnologia e das finanças internacionais.

f) Dimensão política - Como o Estado continua sendo um ator fundamental da política internacional, os conceitos dominantes das ciências sociais são inadequados para compreender os fenômenos e os cenários transnacionais emergentes que extrapolam o plano econômico.

g) Dimensão social - O século XX conduziu a economia global a uma encruzilhada: o processo de reestruturação econômica levou o mundo em desenvolvimento à fome, e grandes parcelas da população ao empobrecimento. A nova ordem financeira internacional parece nutrir-se de exclusão social e degradação ambiental.

h) Dimensão ambiental  - Verifica-se, no mundo de hoje, uma globalização crescente dos problemas ligados ao meios ambiente. O domínio do homem sobre a natureza aumentou consideravelmente com a industrialização. A produção industrial e agrícola, o desenvolvimento das biotecnologias, a urbanização acelerada produziram um impacto negativo sobre o meio ambiente.

i) Dimensão cultural - Segundo Renato Ortiz a americanização do mundo é a tese mais conhecida sobre globalização. É divulgada tanto pelos adeptos convictos do americam way of life quanto pelos que denunciam o imperialismo cultural norte-americano.

Liszt, vai além. Não querendo esgotar as dimensões da globalização, cita o Eduardo Viola que, em seu livro publicado em 1996 afirma que a globalização tem seis dimensões: militar, política, econômica, cultural-comunicacional, ambiental e científico-tecnológica. Entretanto  próprio Eduardo Viola, no mesmo livro, reconhece 13 dimensões da globalização: militar, econômico-produtiva, financeira, cultural-comunicacional, religiosa, interpessoal-afetiva, científico-tecnológica, populacional-migratória, esportiva, ecológico-ambiental, epidemiológica, criminal-policial e política.

Conclusão: As diferentes políticas de comércio exterior praticadas pelo Brasil, foram impulsionadas, principalmente,  por fatores externos. As relações internacionais são constitucionalmente regidas pela "defesa da paz" e da "solução pacífica entre os povos"; com a abertura da economia, os mercados direcionam as políticas públicas.

A dinâmica da globalização empresarial  que  movimenta os mercados de bens, de serviços e de capitais, cresce em poder econômico. Os interesses, especialmente das grandes empresas multinacionais,  recebem legitimidade do governo quando este celebra acordos e tratados internacionais, na maior parte dos casos.

As dimensões e motivações da inserção global do Brasil são lideradas basicamente pelos fatores econômicos. Os demais  fatores, inclusive os sociais, são decorrentes e consequentes, para muitos especialistas. Esta lógica ou modelo não sobreviverá durante o próximo século. Novos eventos no mundo poderão mudar a direção e o nível de inserção econômica internacional, sendo a mobilização social a única capaz de realmente mudar o curso da história.


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